“UM EMBUSTE PERFEITO” Svevo, Italo
Edições Quasi
Por mais que leia, várias vezes concluo que pouco conheço;
existem sempre livros e autores (muitos deles não apenas excelentes, como
também particularmente apropriados ao meu gosto
pessoal) que me escapam, que desconheço. Há que agradecer, em muitas situações,
ao acaso, que nos coloca à frente certas obras, certos autores, certos mundo (o
acaso pode manifestar-se sob a forma de uma sugestão de um amigo ou até de um
desconhecido; de uma citação feita por outro autor no livro que nos encontramos
a ler; de um texto que encontramos na blogosfera enquanto fazíamos uma
pesquisa; ou mesmo de um título que lemos numa lombada enquanto passeamos
pelas estantes de uma qualquer biblioteca ou livraria, e que desperta em nós um
estranho interesse...). Se não fosse ter iniciado, há já uns bons
anos atrás, uma conversa sobre livros com um colega de trabalho,
talvez nunca chegasse a Thomas Bernhard; se não tivesse lido os livros deste
escritor, talvez não descobrisse Musil e O
Homem sem Qualidades, que me encontro a ler presentemente...
Este pequeno livro de Italo Svevo, autor que conhecia de
nome mas com a indiferença de quem não tem sobre ele qualquer referência
concreta, foi uma pequena grande surpresa. Um Perfeito Embuste é
uma história simples mas muito interessante, contada com grande finura,
bastante elegância na linguagem e inteligência nas metáforas (nomeadamente nas
algo ingénuas fábulas com passarinhos, passatempo do nosso protagonista), e um
toque humorístico refinado (julgo que a belíssima tradução de Vasco Gato
contribui muito para o prazer da leitura). O humanismo desta curta narrativa é,
também, evidente, uma vez que trata de ilusão, engano, deceção...
Mario Samigli é um sexagenário que, tendo escrito e
publicado um romance quando tinha vinte anos (romance esse que não vingou,
apesar de o seu autor continuar a crer na sua bondade e ainda acalentar a
esperança do seu reconhecimento), se vê enredado no
embuste de um caixeiro-viajante das suas relações; assim, este -
movido por um certo azedume face aos seus ares de literato de Mario -
convence-o da existência de um editor austríaco interessado em
traduzir e publicar-lhe a obra em alemão. Esta perspetiva, como não podia
deixar de ser, vai trazer ansiedade e inquietação à vida (até aí
cinzenta e desinteressante, ainda que limpa e satisfeita) de Mario...
Ao ler esta novela, não consegui deixar de pensar que Mario
Samigli, com a sua obra única (apesar de continuar a escrever para si
mesmo as tais fábulas), bem podia figurar no recentemente lido Bartleby & Companhia, de Enrique Vila-Matas. Por outro lado, também me veio à
ideia A
Capital, de Eça de Queiroz, que, embora de contornos muito
díspares, também fala de ilusão, engano e deceção.
Estou certo que este não será o meu primeiro e último
livro de Italo Svevo. Depois de procurar algumas informações sobre a sua vida e
obras, tenho a intenção de arranjar
e ler A
Consciência de Zeno e
eventualmente Senilidade -
vamos esperar que sejam leituras para breve.
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